OPIN

MARIA DO COTIDIANO

Carla Ferreira, 2009

Descobri, enfim, porque minha relação com Maria foge ao extraordinário. Desde pequena, sempre tive uma mãe presente, sempre por perto, que me compreendia (e ainda compreende). Um simples olhar irrequieto meu e ela já percebia minha angústia. Apesar dos nossos temperamentos fortes que nos rendiam momentos de tensão, eu tive e tenho uma mãe presente.

Talvez por isto nunca recorri a Nossa Senhora para me confortar; era confortada dentro de casa.  Até certo ponto, logicamente; mas era. O manto acolhedor, a paz confortante, dignificante, santificada da Mãe de todos nós que tantos me relatavam sempre foram algo estranho a mim. Por causa disso, tive minhas dificuldades de conhecer Nossa Senhora como mãe. Aquela a quem buscamos os braços e abraços quando necessitamos de acalento. Eu sempre tive a minha mãe na Terra e que, por mera coincidência, foi quem mais me falava de Maria.

Era ela, em minha infância e adolescência, que trazia para casa a imagem de Mãe Rainha e nos obrigava (eu e minhas irmãs) a, pelo menos uma vez durante a semana da santa visita, parar em frente a Nossa Senhora Três Vezes Admiráveis, rezar, pedir algo. Foi minha mãe, que também se chama Maria, quem me mostrou o exemplo de fé no milagre do terço, da oração. Minha mãe recorria e ainda recorre a Nossa Mãe do Céu através das contas milagrosas.

Mas o que tinha em meu coração como imagem de Maria era daquela que é capaz de interceder por nós, a milagreira, que tava lá em cima, bem longe, mas do lado de Jesus, mandando os recadinhos caprichosos com nossos pedidos. Esta Maria do transcendental, do extraordinário, do intocável, sempre esteve me rodeando. Só fui descobrir ela como pessoa depois de crescida.

Maria entrou em minha vida pra valer como mulher, como pessoa, no dia a dia. Com sua força e coragem de aceitar um desafio imensurável, capaz de estabelecer a ligação do Divino com toda a humanidade. Foi contemplando este encontro com o Anjo Gabriel que a pureza do olhar inocente de Nossa Senhora me revelou a coragem de uma mulher forte, de personalidade firme, íntima do Pai e confiante Nele. “Faz-se em mim segundo a tua palavra”. Ah! Quanto despojamento, quanta certeza, quanta firmeza!

Eis a serva do Senhor, em sua simplicidade, mostrando- me que tudo é possível para Deus. O silêncio que rodeia a vida de Nossa Mãe e nas poucas aparições do Evangelho, depois de lidas mais de dez vezes nos grupos de partilha, me mostrou que Nossa Senhora tinha muito a me dizer, mas não através de palavras e sim, de seus gestos simples, do cotidiano.

Encontrei uma Maria cheia do Espírito Santo, deixando-O agir Nela no Magnificat, uma mulher, como qualquer uma de nós, de alma alegre por acolher no ventre seu filho; no caso, o Salvador. Quantas vezes transbordei ao sentir uma paz plena, uma sensação de plenitude em meu coração? Ela sentiu algo parecido.

Seguindo a trajetória de Nossa Mãe, pude vivenciar cada instante de peregrinação a Belém, onde deu a luz. Ela me ensinou que a serenidade é capaz de nos ajudar a enfrentar qualquer obstáculo, que não há motivo para desespero quando se confia em Deus. Nem mesmo quando se recorre a um estábulo como cenário de um primeiro parto. Nada saiu errado. O menino nasceu, cresceu, revelou o Pai, morreu e ressuscitou por nós. E Maria estava lá. Até a cruz. Sem dizer muitas palavras, o tempo todo, guardando no coração.

O dom de guardar tudo significa aceitar o que o Pai coloca em nossa estrada, em qualquer etapa da caminhada, sem pestanejar.  Uma tarefa difícil prá mim, que aprendi a me virar sozinha e eu mesma virar as páginas de minha existência. Foi o que minha mãe terrestre me ensinou.  Hoje, converso com Maria, com este exemplo de mulher e que também se tornou minha mãe no dia a dia, sempre que preciso tomar uma decisão importante.  

Quando estou angustiada, triste, revoltada, enquanto Deus permitir,  recorro à minha mãe na Terra (às vezes nem precisa requisitar; ela mesma se requisita!) e procuro Minha Mãe do Céu, que diz tudo através de um silêncio consolador e me ensina a guardar no coração e aguardar. E foi Ela, Maria, que me ensinou a saber ‘pedir colo’ ao me fazer sentir como filha de Deus. Hoje, na idade de Cristo (33!), descobri que tenho duas mães, que as duas me levam ao Sagrado; que uma recebeu a missão de me educar para o mundo e a outra, para Deus.  

 

Carla Ferreira

Carla Ferreira

Texto de 2009

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