Uma Inesperada Alegria
Autoria: Celso Sisto (Chokito)


Não preciso de grandes feitos, não mesmo! Acordei com um samba esperançoso no ouvido e as palavras mágicas da letra se espalharam pelo meu dia inaugurante. Não reclamei da chuva que insiste em tomar conta dos meus horizontes (vistos da janela do corpo e da alma), nas últimas semanas. Sim… a água insistente, intensa e diluviana nem sempre é uma benção. Mas aqui, quando ela fica nessa brincadeira de transformar-se em cachoeira, forra as paredes da casa com sua umidade, gruda-se no chão de modo viscoso e se atira, gotícula a gotícula em tudo o que é tecido que encontra pelo caminho. A sensação de ser e estar movente nesse molhado eterno é angustiante.

A louça precisava ser lavada, na pia transbordante. As plantas tinham que ser molhadas, no canteiro que inventei em cima do armário da área do apartamento, as máscaras protetivas costuradas para a pandemia ainda estavam encharcadas, dependuradas na corda festiva e carnavalesca… e uma torneira gotejante ainda ressoava em algum lugar da casa! Eu não estava podendo ver e muito menos ouvir a água. Fui ouvir meu coração, que bem assentado no peito me mandava fechar os olhos e transformar o som da hidrosfera em pulsação.

Respirei fundo. Soltei o ar com violência, ainda prisioneiro da falta de paciência. Respirei fundo. Senti o ar aquoso espraiar-se pelas minhas cavernas escuras, chegando até onde eu provavelmente tinha esquecido de irrigar com crença, os fatos desordenados. Respirei fundo. Apertei os olhos para reforçar a cegueira e permitir que o ar chegasse até o passado, e que fosse capaz de regar a terra e direcionar seu jorro de esperança para esse futuro que tanto me absorve. Esqueci-me de mim, é verdade. Entrei no corpo da palavra silenciosa mas não muda e ela espalhou-se rápida, polinizando meu dia.

Quando abri os olhos, Cristo tinha descido do crucifixo do meu pequeno altar na entrada da casa e devia estar caminhando por entre as ilhas de objetos que acumulei durante os anos, para me ditar em breve uma parábola de amor e desapego. O pão recém-assado na casa do vizinho era um sinal. E o perfume da multiplicação entrou pelo meu nariz como um pássaro cantando. Eu sabia o que ele repetia incessante: parte e reparte parte e reparte parte e reparte.

Lembrei-me do biscoito da sorte, abandonado pela metade em cima da mesa, na noite anterior. O papelzinho desembrulhado ainda dizia: a tua esperança tem a cor que você lhe der lhe der lhe der lhe der… Intrigante falar de cor justo comigo que quero tudo sempre multicolorido e brilhante e que sofro de pestilências nesses dias acinzentados e ultrachuvosos.

O frio estava domado e tinha me abandonado em meu estado de prece. Que repentina alegria!

Virei rápido a cabeça. Em tempo de ver: o sol tinha saído e agora inundava a sala da casa. Minha orquídea tinha florido do nada! E minha esperança tinha se convertido na cor do raio solar que entrava certeiro e seguia, como uma flecha sem desvio, para incidir no meio do crucifixo. Estou eu, ressuscitado na fé para sempre.

Celso Sisto (Chokito)
Porto Alegre, 17/09/2020

A casa, o vazio, o silêncio:
crônicas do acastelamento

ID: 2020-09-00004
Temática: Preparatório Nacional 2021 – Esperança
Estilo: PodCast
Título: Uma Inesperada Alegria
Autoria:  Celso Sisto (Chokito)
Locução: Celso Sisto (Chokito)
Data:  17 de setembro de 2020, Porto Alegre/RS

Autor: Celso Sisto (Chokito)

Autor: Celso Sisto (Chokito)

Locução: Celso Sisto (Chokito)

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email
Imprimir
plugins premium WordPress