Quando Pollyana
Autoria: Celso Sisto (Chokito)


Meu desafio permanente, diário, contínuo é atravessar o tempo! Aos poucos, como uma serpente que se estende por debaixo do rio, ele vai ganhando muitas configurações monstruosas na minha vida. Encompridar-se é talvez a ação mais imediatamente aceita. Nada fica parado no tempo! Queremos o prolongamento dele para dar chance ao sujeito que há de vir daí.

Mas crescer é esse desmantelo! Um desengonçar-se, porque os membros não crescem do mesmo jeito e nem ao mesmo tempo. E vamos nós, virando monstros também, para duelar com o monstro chamado AIKA (tempo em finlandês). Mas onde a alegria de testemunha daquilo que se vai consolidando como o nosso estado mais perene? Essa condição eterna de mudança? Esse ser que não cabe em suas próprias vestes porque cresce, se expande, diminui, se dilata, se pulveriza?!

Agora mesmo vejo correndo pela casa um espectro de Alice, que ao tomar o líquido da garrafinha onde se lia BEBA-ME, descobriu que podia não caber mais em si mesma! E que agigantada, não podia atravessar a porta! Não podia nem sair pela janela, porque extrapolava todos os limites da locomoção. Não adianta beber o elixir acelerador do tempo e não estar preparado para agir de acordo com a nova condição! Alice mesma há de dizer: é preciso crescer no tempo certo! No tempo de cada coisa! No tempo de ler-se a si mesmo de modo compreensível.

Ao meu lado, sorri o espectro de Emília, a contestadora! Preciso dela, bem aí, para me lembrar que ser original é mais do que necessário. Ser de pano e ter vida, serve para isso: de permissão para reformar tudo o que não for para dignificar o sujeito. Mas Emília, às vezes, sem bom-senso, é obrigada a pensar que não está sozinha. E que suas escolhas também afetam os outros. Ela aprendeu a ceder a vez!

Lá no início do caminho também está o espectro de Pollyana. Eu a deixo correr pela casa! A menina que me ensinou a jogar o jogo do contente, que algumas vezes me pareceu apenas um exercício absurdo da resignação, agora me aparece como sal-va-ção! Enxergo todos os lados, filtro a luz e jogo para o ar, mil soluções prismáticas! Que se propagam em cores. Que visivelmente oferecem tantas possibilidades, que para catalogar cada uma delas vou ter que usar o resto dos anos da minha vida! E com isso, o monstro do tempo muda de posição no fundo do caudaloso rio! Eu me vejo esboroado cada vez que o monstro se mexe!

E rio, rio de mim. Invoquei esses espíritos femininos, para me lembrar que precisamos aprender o poder além-gênero! Mas que determinados arremates só se podem obter com a delicadeza, a minúcia, o cuidado, a sensibilidade aveludada, o maternar praticados por todos!

Sei bem que cuidar da criança não é brincadeira de bonecas! E meninos devem ser treinados para amar sem que isso seja a tatuagem da fraqueza e da submissão. Não vou rasgar os papeis, as cartas, meus manuscritos, ou transformar a escrita em testemunha de acusação! Também não vou fazer da morte a companhia inevitável. Nesses tempos penumbrosos, tenho visto a companhia de Deus tão larga e tão humana, acenando com a alegria dessa eternidade conquistada em vida! Ouso dizer, repetindo o saber do velho amigo: “a aurora, de outrora, voltou”. Não a deixarei esgaçar-se em noite escura!

Celso Sisto (Chokito)
Porto Alegre, 29/11/2020

A casa, o vazio, o silêncio:
crônicas do acastelamento

ID: 2020-11-00017
Temática: Preparatório Nacional 2021 – Esperança
Estilo: PodCast
Título: Quando Pollyana
Autor:  Celso Sisto (Chokito)
Data:  29 de novembro de 2020

Autor: Celso Sisto (Chokito)

Autor: Celso Sisto (Chokito)

Locução: Celso Sisto (Chokito)

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