Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma acolhida: gosto de vê-la brincar, fazer traquinagens;
ela não conhece o certo e o errado dos adultos.
Outra rejeitada: não gosto de sua excessiva seriedade;
ela está sempre pronta para atender meus pedidos;
não conhece surpresas.

Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma que se faz livre: porque sabe que não está só;
ela aprendeu que o amor das outras pessoas nos dá asas que nos permitem conhecer o infinito.
Outra que se fez cativa: ela sabe que não está só, mas tem medo dos outros;
assim, prefere caminhar sozinha a voar acompanhada.

Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma é um palhaço: ela aprendeu a rir com a vida e sua felicidade é ver o sorriso no rosto daqueles que ela ama.
Outra é um Pierrot: sua feição conserva um quê de tristeza;
que pena tenho dessa criança que não aprendeu a sorrir!

Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma que é toda oferecida: sua alegria é entregar-se;
ela já descobriu que é um poço inesgotável que não teme a seca.
Outra que retém: quer tudo para si, só para si, pois simplesmente se sente vazia;
não posso satisfazê-la, é insaciável.

Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma que não conhece limites: ela não tem o que perder, pois não construiu nada além de sonhos e castelos de areia;
sua vida é como seus sentimentos – instável, mutável, poderosa…
Outra foi podada pelos limites: ela conheceu regras e construiu um poderoso frágil Império – Razões e imagens que um simples espelho amigo é capaz de destruir.
Ela não aceita sua fragilidade.

Vivem dentro de mim duas crianças…
Uma que se mostra: acha-se linda, porque conheceu a beleza dos outros. Amou e foi amada.
Outra que eu escondo: ela é linda, mas não sabe, pois não se arriscou diante do diferente. Não perdeu nada, não ganhou nada. Isso me faz sofrer!

Vive dentro de mim um homem dividido…
Ele luta o tempo todo contra si mesmo. Não permite que minhas duas crianças se encontrem.
Cindido. Separado.
Desse modo não poderá ser feliz!

Vive dentro de mim um sonhador…
Ele é a fusão de tudo que há em mim, pois todos os cacos de minha personalidade sabem sonhar.
Ele ama minhas crianças – as duas – e aceita minha divisão.
A lógica do sonho é sempre uma outra…
Ele ama ser amado e quer ser feliz. Sinto que ele cresce, pouco a pouco.
Acredito nele e aposto em sua força.
Dentro de minhas crianças, de minha divisão, de meus sonhos, vive sempre uma esperança – e seu nome é amor.

Agradeço a você, a quem tive coragem de mostrar minhas cisões, e que me olhou com ternura. Seu amor me salva a cada dia…

Numa madrugada de outubro de 2004, antes do sono, depois da inspiração…

ID: 2020-09-00009
Temática: Preparatório Nacional 2021 – Esperança
Estilo: PodCast
Título: Vida Interior
Autor:  Pe. Francys, SJ
Data:  outubro de 2004